domingo, 4 de dezembro de 2011

HIV e o medo de viver

É comum que as pessoas achem que o maior medo do qual sofre um soropositivo seja o medo de morrer. Já foi, mas hoje não é mais. O maior medo de um soropositivo na atualidade é o medo de viver. É sobre este medo e todo o contexto do qual ele emerge que escrevo aqui aproveitando o dia mundial de enfrentamento da epidemia da aids que foi nesta última semana.

É importante ressaltar que já se passaram 30 anos que o vírus Hiv apareceu e hoje o Hiv / aids se tornou basicamente uma doença controlável para os seus portadores. É claro que existem os efeitos adversos provocados pelo longo consumo dos medicamentos, mas todas essas conseqüências podem ser igualmente administradas na maioria dos casos. Entretanto, de nada serve tanto dinheiro aplicado em pesquisa para fabricar medicamentos capazes de conter o avanço do vírus no organismo se o próprio portador não QUER ADERIR ao tratamento. O grande desafio atual é dar ‘sentido’ ao tratamento que nada mais é do que dar sentido a uma vida com HIV.

Então a palavra chave no que se refere ao tratamento da aids atualmente é QUALIDADE VIDA aos portadores. É o que chamamos de PREVENÇÃO POSITIVA. Prevenção direcionada aos portadores do vírus e pessoas que já vivem com aids. Significa cuidar daquela pessoa que inicialmente teve ‘medo de morrer’ e que passado o susto, adquiriu o ‘medo de viver’. Um medo deste faz com que as pessoas que vivem com HIV se recolham em seus ‘segredos’, isolem-se de suas relações sociais tão importantes para uma vida com qualidade. Até sua vida profissional é afetada com o receio de que nos exames de rotina ou de admissão descubra-se o seu diagnóstico. Não sabem que isto é proibido por lei. E nem falamos da sua sexualidade que como disse certa vez o Cazuza, o tesão neste caso vira ‘risco de vida’. Trabalhar a qualidade de vida nada mais é então do que acabar com o préconceito sobre a aids existente na sociedade e no próprio soropositivo.

Concluo então dizendo que nós todos, profissionais da saúde que trabalham com HIV, temos muito a fazer e que para isto precisamos nos preparar para esta grande ‘missão’. Uso este termo por entender claramente hoje que lidar com HIV é ter uma missão a que se dedicar e que esta não se resume a só conter o avanço de uma epidemia ou evitar a morte, mas também a de devolver a ‘vida’ a uma pessoa que um dia o preconceito levou.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Você fala bonito?

Falar sobre beleza é interminável, pois a beleza por ser essencialmente um adjetivo, uma qualidade, pode ser aplicada a tudo o que existe. Resolvi então escrever sobre algo que trabalho como psicólogo e professor: a palavra. Vamos pensar sobre palavras, ou melhor, discursos. O ato de encantar pela fala. O ‘falar bonito’. E aqui já cabe uma pergunta - numa era de tantos discursos, quais seriam aqueles com poder ainda de nos encantar?

No dito popular afirmamos que ‘falar é fácil’. Penso que nenhum psicólogo ache isso. Sabemos muitas vezes como é difícil fazer aquele que foi ali para receber ajuda fazer a coisa mais óbvia: falar. Falar não é fácil, pelo menos se for pra falar daquilo que realmente importa, ou seja, a verdade. Falar talvez seja mais fácil quando se fala sobre aquilo que não se sente. Quando falamos de sentimentos aí percebemos o quanto é difícil falar. Muitas vezes chamamos de discurso ‘bonito’ aquele que sabemos que é irreal, que é utópico. Em outros termos, um discurso vazio, desprovido de autenticidade, de sentimento. Que pecado chamar isso de bonito! O que está implícito aí é que beleza e autenticidade são pares opostos. Nada mais equivocado para os nossos tempos.

Quando nos referimos a discursos vazios a nossa política brasileira seria o alvo predileto. Todos os políticos querem falar ‘bonito’ para conseguirem votos. Pois um exemplo de que precisamos rever os nossos conceitos do que é belo está no que aconteceu recentemente na política. Nas últimas eleições o palhaço Tiririca foi um dos candidatos a obter o maior número de votos. Por quê? Votos de protesto, votos de pessoas que queriam fazer graça como ele? Pode ser. Mas tenho uma hipótese também. Penso que as pessoas cansaram dos discursos prontos, inautênticos. Tiririca acertou quando escolheu ir do jeito dele. Acertou, mesmo que não seja o tipo de campanha que esperamos de uma candidatura ‘séria’. Ali estava finalmente um discurso ‘autêntico’, diferente de todos e convenhamos é muito fácil discursar como político. A propaganda do Tiririca pode não ter sido ‘bela’ no sentido tradicional de beleza. Mas ali estava um discurso mais próximo da graça, do sentimento, da provocação, da inteligência, da arte, do real.

Hoje acho bonito mesmo o discurso que leva autenticidade. Quem fala bonito pra mim são aqueles que na sua fala expressam os seus sentimentos. É uma fala visceral, viva. Não são herméticos em seus discursos, mas pessoais, acima de tudo, humanos. Assim posso gostar mais do humano que há em mim. Do que eu tenho hoje e não do que está por vir. Falar assim é bonito, pois se fala não só com a ‘cabeça’, mas com todo o corpo. E este, sensível pela sua própria natureza, sendo escutado, não o sabota em sua fala, mas ao contrário lhe retribui enviando-lhe palavras e vida.