quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

A família que eu não tive





Eis que semanas atrás, em casa zapeando a tv com  minha filha de 05 anos, encontramos passando um desses canais a cabo a animação Coraline. Assistimos juntos e adoramos. Cada um nas suas razões, evidente. O tema trazido nesta animação, baseada no romance de mesmo nome publicado em 2002, é a família, de que se tem e de que se sofre. 

No filme, Coraline é uma criança que se muda com sua família para uma nova casa tendo que agora conviver com novos vizinhos e a ausência dos seus pais, estes sempre atribulados com seus trabalhos. Coraline descobre uma porta que dá acesso a uma parede, ou seja, a um nada. Mas quando está sozinha vê (fantasia) através desta porta uma passagem secreta que a leva a um mundo em que estão presentes os mesmos personagens, inclusive os seus pais, porém todos prontos a agradarem e a atenderem a seus desejos.

Somos todos Coraline nesse sentido e as crianças que o digam. É próprio da nossa condição humana fabricar uma realidade que atenda aos nossos desejos. Neste mundo somos o centro. O mundo pronto para nos atender em nossos caprichos e vontades. É óbvio que isto é bem infantil e é por isso que a história narrada na animação Coraline serve para nós, crianças e adultos (a criança que ainda persiste em nós). Serve como uma boa reflexão sobre a nossa temida castração que nada mais é do que se dar conta do quanto este mundo gira sem a nossa vontade.

Não vai demorar para Coraline perceber que estes mesmos pais “bons” que estão sempre prontos para atendê-la em todas as suas vontades são os mesmos que em nome do amor a submete tentando fazer dela a sua nova boneca de pano ao proporem arrancar-lhe os olhos e trocá-los por botões. Sabemos que o amor possui este enredo. Em graus desmedidos ao invés de libertar, acompanhar, servir como colo de uma travessia, aprisiona, tenta fazer do outro objeto, uma marionete, ou como no filme, uma boneca de pano.


Mas a grande provocação do filme talvez esteja na maneira como enxergamos nossa família. É muito comum ouvir das pessoas o quanto elas lamentam os pais que tiveram. É inegável o quanto temos de sistemas familiares patológicos, verdadeiras fábricas de bodes expiatórios. Isso é um fato. Como também é um fato ‘psicológico’ a nossa grande insatisfação com a família que possuímos. Há um descontentamento, afinal o imperativo moderno é sermos sempre ‘mais’, em busca da ‘excelência’. E a família acaba sendo o primeiro alvo destas insatisfações. Perceber esta ilusão é parte fundamental da nossa vida. Muitas pessoas passam a vida mesmo é se queixando pelos pais que NÃO tiveram. Provavelmente, terão boas chances de se culpar pelos pais que não conseguirão ser. A verdade é que somos todos falíveis, pais e filhos.