terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

"Deixa Ser"

“Aquilo que contém, fica. Aquilo que se aceita, vai”. Dizem os orientais, que tudo que vem, deve-se acolher para que possa ir. Essa máxima que pegou no mundo ocidental há umas décadas atrás vem me cativando aos poucos. É verdade que tem muita gente que acha isso uma loucura. Eu insisto que não.

Segundo esta filosofia, aquele que luta contra, que ataca, ainda que seja por defesa, está infringindo uma violência ao modo “natural” de ser. Quem já fez Aikido, sabe visceralmente essa verdade. Nessa arte marcial não existem ataques, usa-se toda a intenção e força do adversário contra ele mesmo. 

Isso se aplica também na arte da vida. E não é só na relação com o outro que isso vale, mas com a gente também. A tristeza insistente, o mau humor aparente e toda a gama de desejos, sentimentos e obsessões que experimentamos, desconfio que reclamam por um espaço. Se esses moradores da nossa casa não são vistos e escutados, bagunçam geral. Se tiverem o seu espaço, vão aprendendo a respeitar o espaço dos outros.

Mas nem tudo que vem é bom ou sadio. O que fazer com aquele que é um tsunami de verborragia preenchendo um diálogo? Aceitar é submeter-se? Como lidar com nossa agressividade louca pra dar uma surra em alguém? Deixar vir é perverter-se? Penso agora que a baliza necessária para discernirmos a aceitação dessas formas equivocadas talvez esteja no sentido que isso tem: vem para agredir o outro (ou a mim mesmo) ou vem pra libertar, acolher, cuidar? A diferença no fundo, todos nós sabemos e negar isso é sempre muito conveniente.


A palavra "aceitação" tornou-se chave nos processo de mudança. Muitos psicólogos já perceberam esse paradoxal movimento da nossa natureza. Parece que quanto menos se aceita algo, mais ele persiste. No fundo, no fundo, parece que tudo o que todos querem mesmo, antes de largar o seu osso, é mais um pouco de colo.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Eu não fujo, eu vôo.




Fui assistir ao filme francês “A família Bélier”. Esta longe de ser um filme perfeito, com altos e baixos. O melhor do filme é mesmo a sua ideia básica. A história é de Paula, uma garota de 16 anos, pertencente a uma família de surdos. Ela, como sendo a única que não possui tal deficiência, torna-se a tradutora da família e porta-voz da mesma. Tudo vai razoavelmente bem até que Paula descobre o seu talento para cantar e que isto implica o ter de morar em outra cidade vivendo assim distante de seus pais.


O filme de maneira exemplar traz o “peso” que representa descobrir um talento. Os pais de Paula não aceitam a escolha da filha. Inevitavelmente somos obrigados a refletir sobre o quanto os pais estão “surdos” para o talento dos filhos. Ter o talento para cantar numa família de surdos é uma boa metáfora que o filme traz para ilustrar o quanto teremos de lidar com a incapacidade de nossos pais em entender e aceitar o que escolhemos para a nossa vida. Não significam que não querem aceitar e sim que não conseguem. Não dispõem naquele momento de recursos em suas matrizes de aprendizagem. Diferença sutil e fundamental para lidar com esta situação.


No caso de Paula, ela ainda enfrenta outra dificuldade. Bancar a sua escolha significa não só mudar de cidade, mas de função e consequentemente da identidade que ocupa na sua família. Ela não será mais a mediadora entre o negócio dos seus pais e a comunidade. Qualquer família pode se confortar neste modelo e uma decisão que traga mudanças é entendida como uma perturbação da “paz”. É importante entender que este não é um lugar fácil de deixar. Ele traz responsabilidades, mas oferece ao mesmo tempo um lugar de pertencimento e valor. 






Talvez uma das saídas para este dilema venha do próprio filme na figura de um personagem que é o professor de canto, responsável pela descoberta do talento de Paula. E é dele as intervenções dignas de um terapeuta quando provoca a garota dizendo coisas do tipo “Paula, o mundo não gira ao teu redor”. Simples e direto! O que torna possível retirar o “peso” de uma escolha é nos darmos conta de que nós somos importantes, mas não tão imprescindíveis assim na vida dos outros. Adquirir a capacidade para pensar assim é comprar um passaporte para a vida adulta em que conseguimos enfim domar a nossa onipotência infantil. E assim como diz a letra da canção "Je vole", cantada numa cena belíssima do filme por Paula, já mais leves, não precisaremos “fugir” da casa dos nossos pais, mas de cabeça erguida, poderemos agora “voar”.




domingo, 7 de dezembro de 2014

O fracasso do amor









 
Não quero ser mal entendido. Aqui não se trata de uma apologia a uma vida conservadora. O que me chama a atenção é observar como estamos a cada dia mais exigentes com os nossos parceiros amorosos. Quando me refiro ao estar mais exigente, toco em uma necessidade de corresponder a certos ideais, certas imagens para que estejamos satisfeitos. Por que ideais tão elevados? Alguns autores já encontraram um culpado pra botar na conta: o mito do amor romântico.

A palavra romântico nos suscita ideais, utopias. O amor romântico movimenta uma indústria cinematográfica. Aprendemos amar através de imagens complementadas com uma boa trilha sonora. Vemos entrega, sacrifício (por sentimento), devoção, desprendimento em nome do nosso grande amor. Na tela fica lindo, mas na vida real um relacionamento é fruto de algum trabalho cujo resultado nem sempre nos leva ao atendimento de nossos ideais.

Mas o pior são os resultados contraditórios. Eu desconfio que os ideais do amor romântico que são tão excessivos e que muitos confundem como a definição mais pura do amor, estão fazendo com que nós amemos menos. Tenho amigos (as) que se “descasaram” porque o tal do “sentimento” acabou e o que conseguiram mesmo foi uma espécie de isolamento ao não conseguir se “encantar” por mais ninguém. E nem para dizermos que essas pessoas abraçaram uma vida de maior “liberdade sexual” no sentido vulgar do termo. Sei de tantos que estão há anos sem ter uma relação sexual. Numa cultura hedonista como a nossa, voltada ao consumo e ao prazer desenfreados, percebemos tantas e tantas pessoas vivendo suas vidas como se “poupassem”.

Tá ruim, nunca está bom, sempre fica algo faltando, quem sabe a próxima pessoa. Está aqui feita uma provocação. Será que amamos mais do que os nossos antepassados? Será que na ânsia de vivermos com mais intensidade e paixão não estamos caindo num vazio de afetos? Trago aqui para finalizar a frase do filósofo francês Pascal Bruckner em seu livro “Fracassou o casamento por amor?”: “Os casais de hoje não morrem por egoísmo ou materialismo, morrem por um heroísmo fatal, uma ideia ampla demais de si mesmos”.




terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

A besta






Preso, violento, Solto, um dengo.
Você era assim, como o meu cão.
Quando casado um vulcão
Só na rua que não.
Veja só que contradição.
Eu sempre soube
Que você não era disso,
Mas resolveu ir atrás do paraíso.
E quando veio a liberdade
A rua, a imensidão.
Se borrou de medo,
Descobriu seus desejos.
Não teve peito.
Era a desilusão.
Então recuou, voltou pra casa.
Cobrou fidelidade.
Falou de princípios, de religiosidade
‘até que a morte nos separe’.
Mas agora nem me fale.
Descobri o que me faltava
Era muita, muita vergonha na cara
E quando lembro a besta que eu era
Só me pergunto ‘onde estava a fera?’
Hoje, não vivo mais a vida
Melhor...
Faço amor com ela.

Cansei de fazer sala






Estou Passado!
Estou ficando velho!
Sou do tempo que artistas ensinavam.
Que era uma aventura Conhecer.
Que saudade dos Mestres, aqueles que nos faziam morrer.
Que saudade do Tempo, dos livros, da biblioteca.
Que saudade de aprender junto.
Que saudade de (des) construir junto.
Que saudade do Desejo.
Da Fome.
Sei que pareço ridículo.
Dizem ser anacrônico, 
Ninguém se entrega mais à saudade.
Mas o que posso fazer?
Neste Presente não se anda pra frente.
Tão desesperador, tão retrô.
Nada é mais iludido do que um Educador.
Nada mais canceroso do que esses escrotos.
Na casa que eu deveria ensinar a ‘viajar’,
Eu só faço domesticar.
Ninguém vai sair, ninguém há de deixar.
Basta estar na lista, basta pagar.
A essa altura do campeonato
A gente se convence que é melhor cuidar de si.
Pra que ‘um por todos...’ ? Melhor todos por mim.
Pessimismo?
Sim, talvez sim.
Talvez já tenha dado pra mim.
Talvez já seja hora de partir.
Pra outros cantos se não perde o encanto.
Eu não me entrego, sou eu no comando.
Cansei de fazer Sala, vou pegar minha mala.
Vou pra debaixo de uma árvore.
Pro ‘museu de grandes novidades’.
Quem sabe eu não te desamarro?
Quem sabe eu não me amarro?
Pra quem fica, aquele abraço.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

A família que eu não tive





Eis que semanas atrás, em casa zapeando a tv com  minha filha de 05 anos, encontramos passando um desses canais a cabo a animação Coraline. Assistimos juntos e adoramos. Cada um nas suas razões, evidente. O tema trazido nesta animação, baseada no romance de mesmo nome publicado em 2002, é a família, de que se tem e de que se sofre. 

No filme, Coraline é uma criança que se muda com sua família para uma nova casa tendo que agora conviver com novos vizinhos e a ausência dos seus pais, estes sempre atribulados com seus trabalhos. Coraline descobre uma porta que dá acesso a uma parede, ou seja, a um nada. Mas quando está sozinha vê (fantasia) através desta porta uma passagem secreta que a leva a um mundo em que estão presentes os mesmos personagens, inclusive os seus pais, porém todos prontos a agradarem e a atenderem a seus desejos.

Somos todos Coraline nesse sentido e as crianças que o digam. É próprio da nossa condição humana fabricar uma realidade que atenda aos nossos desejos. Neste mundo somos o centro. O mundo pronto para nos atender em nossos caprichos e vontades. É óbvio que isto é bem infantil e é por isso que a história narrada na animação Coraline serve para nós, crianças e adultos (a criança que ainda persiste em nós). Serve como uma boa reflexão sobre a nossa temida castração que nada mais é do que se dar conta do quanto este mundo gira sem a nossa vontade.

Não vai demorar para Coraline perceber que estes mesmos pais “bons” que estão sempre prontos para atendê-la em todas as suas vontades são os mesmos que em nome do amor a submete tentando fazer dela a sua nova boneca de pano ao proporem arrancar-lhe os olhos e trocá-los por botões. Sabemos que o amor possui este enredo. Em graus desmedidos ao invés de libertar, acompanhar, servir como colo de uma travessia, aprisiona, tenta fazer do outro objeto, uma marionete, ou como no filme, uma boneca de pano.


Mas a grande provocação do filme talvez esteja na maneira como enxergamos nossa família. É muito comum ouvir das pessoas o quanto elas lamentam os pais que tiveram. É inegável o quanto temos de sistemas familiares patológicos, verdadeiras fábricas de bodes expiatórios. Isso é um fato. Como também é um fato ‘psicológico’ a nossa grande insatisfação com a família que possuímos. Há um descontentamento, afinal o imperativo moderno é sermos sempre ‘mais’, em busca da ‘excelência’. E a família acaba sendo o primeiro alvo destas insatisfações. Perceber esta ilusão é parte fundamental da nossa vida. Muitas pessoas passam a vida mesmo é se queixando pelos pais que NÃO tiveram. Provavelmente, terão boas chances de se culpar pelos pais que não conseguirão ser. A verdade é que somos todos falíveis, pais e filhos.