Fui assistir ao filme francês “A
família Bélier”. Esta longe de ser um filme perfeito, com altos e baixos. O melhor
do filme é mesmo a sua ideia básica. A história é de Paula, uma garota de 16 anos,
pertencente a uma família de surdos. Ela, como sendo a única que não possui tal
deficiência, torna-se a tradutora da família e porta-voz da mesma. Tudo vai
razoavelmente bem até que Paula descobre o seu talento para cantar e que isto
implica o ter de morar em outra cidade vivendo assim distante de seus pais.
O filme de maneira exemplar traz
o “peso” que representa descobrir um talento. Os pais de Paula não aceitam a
escolha da filha. Inevitavelmente somos obrigados a refletir sobre o quanto os pais
estão “surdos” para o talento dos filhos. Ter o talento para cantar numa
família de surdos é uma boa metáfora que o filme traz para ilustrar o quanto
teremos de lidar com a incapacidade de nossos pais em entender e aceitar o que
escolhemos para a nossa vida. Não significam que não querem aceitar e sim que
não conseguem. Não dispõem naquele momento de recursos em suas matrizes de aprendizagem. Diferença sutil e fundamental para lidar com esta situação.
No caso de Paula, ela ainda
enfrenta outra dificuldade. Bancar a sua escolha significa não só mudar de
cidade, mas de função e consequentemente da identidade que ocupa na sua
família. Ela não será mais a mediadora entre o negócio dos seus pais e a
comunidade. Qualquer família pode se confortar neste modelo e uma decisão que
traga mudanças é entendida como uma perturbação da “paz”. É importante entender
que este não é um lugar fácil de deixar. Ele traz responsabilidades, mas
oferece ao mesmo tempo um lugar de pertencimento e valor.
Talvez uma das saídas para este dilema venha do próprio filme na figura de um personagem que é o
professor de canto, responsável pela descoberta do talento de Paula. E é dele
as intervenções dignas de um terapeuta quando provoca a garota dizendo coisas
do tipo “Paula, o mundo não gira ao teu redor”. Simples e direto! O que torna
possível retirar o “peso” de uma escolha é nos darmos conta de que nós somos importantes, mas não tão imprescindíveis assim na vida dos outros. Adquirir a capacidade para
pensar assim é comprar um passaporte para a vida adulta em que conseguimos
enfim domar a nossa onipotência infantil. E assim como diz a letra da canção "Je
vole", cantada numa cena belíssima do filme por Paula, já mais leves, não
precisaremos “fugir” da casa dos nossos pais, mas de cabeça erguida, poderemos
agora “voar”.
Perfeito!
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