segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Eu não fujo, eu vôo.




Fui assistir ao filme francês “A família Bélier”. Esta longe de ser um filme perfeito, com altos e baixos. O melhor do filme é mesmo a sua ideia básica. A história é de Paula, uma garota de 16 anos, pertencente a uma família de surdos. Ela, como sendo a única que não possui tal deficiência, torna-se a tradutora da família e porta-voz da mesma. Tudo vai razoavelmente bem até que Paula descobre o seu talento para cantar e que isto implica o ter de morar em outra cidade vivendo assim distante de seus pais.


O filme de maneira exemplar traz o “peso” que representa descobrir um talento. Os pais de Paula não aceitam a escolha da filha. Inevitavelmente somos obrigados a refletir sobre o quanto os pais estão “surdos” para o talento dos filhos. Ter o talento para cantar numa família de surdos é uma boa metáfora que o filme traz para ilustrar o quanto teremos de lidar com a incapacidade de nossos pais em entender e aceitar o que escolhemos para a nossa vida. Não significam que não querem aceitar e sim que não conseguem. Não dispõem naquele momento de recursos em suas matrizes de aprendizagem. Diferença sutil e fundamental para lidar com esta situação.


No caso de Paula, ela ainda enfrenta outra dificuldade. Bancar a sua escolha significa não só mudar de cidade, mas de função e consequentemente da identidade que ocupa na sua família. Ela não será mais a mediadora entre o negócio dos seus pais e a comunidade. Qualquer família pode se confortar neste modelo e uma decisão que traga mudanças é entendida como uma perturbação da “paz”. É importante entender que este não é um lugar fácil de deixar. Ele traz responsabilidades, mas oferece ao mesmo tempo um lugar de pertencimento e valor. 






Talvez uma das saídas para este dilema venha do próprio filme na figura de um personagem que é o professor de canto, responsável pela descoberta do talento de Paula. E é dele as intervenções dignas de um terapeuta quando provoca a garota dizendo coisas do tipo “Paula, o mundo não gira ao teu redor”. Simples e direto! O que torna possível retirar o “peso” de uma escolha é nos darmos conta de que nós somos importantes, mas não tão imprescindíveis assim na vida dos outros. Adquirir a capacidade para pensar assim é comprar um passaporte para a vida adulta em que conseguimos enfim domar a nossa onipotência infantil. E assim como diz a letra da canção "Je vole", cantada numa cena belíssima do filme por Paula, já mais leves, não precisaremos “fugir” da casa dos nossos pais, mas de cabeça erguida, poderemos agora “voar”.