sábado, 15 de outubro de 2011

No dia das crianças viva os adultos

Em homenagem ao dia das crianças resolvi escrever sobre elas. Não é nada bom que tenho para dizer. Parece mais com um protesto. Vou aproveitar que sou psicólogo e pai de uma criança e vou aqui funcionar como um porta-voz de todas elas. É muito simples. Atenção: deixem as crianças em paz! Entenderam? De novo: deixem as crianças em paz, ou seja, cuidem das suas vidas. Elas estão muito tristes, inibidas e ansiosas. Isso vem me preocupando na vida profissional e pessoal e por isso este texto tem um tom de desabafo.

Vou contar-lhes um exemplo. Mês passado eu fiz o meu aniversário. Teve bolo, brigadeiro, guaraná, cerveja, vinho, salgados e a minha filha! Sim, a minha filha, ela que parece hoje o principal produto de exportação da minha família. Ela é um show a parte? Não, ela é apenas uma criança, normal como qualquer outra, tentando aprender a ser um ser humano. Mas desconfio que todos nós vivemos esperando algo a mais dela. Logo quando as pessoas chegaram já dava pra reparar. Claro que deram os parabéns ao aniversariante. Mas logo a minha filha se tornou o centro das expectativas (não de atenções) e ninguém mais conversou com ninguém. Eram todos para ela.

Mas o que me chama a atenção e uma certa preocupação é saber que não somos os únicos. Uma pergunta que passei a fazer aos meus alunos depois dessa experiência, especialmente àqueles que são pais é se na hora de cantar parabéns em um aniversário deles, para quem as pessoas em volta fincam o olhar, neles ou no filho deles? Todos até agora me responderam sem hesitar: em meu filho. Um deles até brincando disse, ‘se duvidar pensam até que o aniversário é dele’. Lanço-lhes outro exemplo. Imaginem a cena: entra uma mãe e uma criança num elevador já ocupado por alguns adultos. Lá dentro enquanto o elevador vai descendo, pergunto-lhes para quem todos os adultos vão olhar e ‘puxar assunto’? Os adultos mal se falam, mas para as crianças eles têm todo assunto. Eles lidam com ela como se estivessem cumprindo uma obrigação contemporânea do tipo ‘sorria para uma criança, salve o mundo’.

O resultado disso em larga escala é que a criança em nossa sociedade está inibida, em alguns casos produzindo sintomas clínicos como ansiedade, sintomas depressivos, fobias como bem pontua a psicanalista francesa Martine Lerude em seu artigo “Pela felicidade das crianças ou como a terapia de crianças pode algumas vezes permitir o crescimento dos pais”. São sintomas que representam um sinal de que a família está operando a partir de um ideal, ideal este que a criança tem de atender. Numa cultura amparada pela idéia da racionalidade científica e pelo uso de uma ‘psicologia de botequim’ passamos a pensar que podemos criar seres humanos perfeitos e para isso tratamos de sobrecarregar as crianças tentando fazê-las a representação deste ideal. Pensamos que devemos construir um mundo ‘maravilhoso’ para as crianças, mundo este em que todos estejam sempre dispostos as satisfazerem sem limites.

Que contradição, não! No anseio de criar algo perfeito, só conseguimos criar algo, não imperfeito (todos somos), mas patológico fazendo a própria criança se sentir estranha consigo mesma. Estou tentando agora não pressionar a minha filha a ter que atender este meu ideal. Talvez um bom caminho pra começar seja eu cuidar mais de mim, cuidar da minha vida, deixar a minha filha mais em paz. É isso! Neste dia das crianças e se possível sempre que nos lembrarmos vamos combinar de sermos mais nós mesmos ao lidar com uma delas e elas poderão também simplesmente ser quem elas são.

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